O Apóstolo João e o Livre Arbítrio
Por Irmão Acyr
"A carne é tão esperta, que ela se finge de santa só para não ter que morrer".
Carta do “Presbítero
à senhora eleita, e a seus filhos, aos quais amo na verdade”(IIJoão1).
Irmã, pensando em sua ideia
acerca da possibilidade de descobrirmos no céu que, nem a doutrina da Eleição
ou nem a do Livre Arbítrio são perfeitamente corretas, mas que, talvez, haja
algo muito maior e mais complexo que nem possamos definir, quero dizer que
gosto da sua ideia e penso que nada há de errado em sua forma de encarar este
ensino. Desejo lhe contar a maneira como foi construída minha crença acerca
deste tema. Contarei, então, meu testemunho pessoal, para que você possa
compreender:
Eu me converti, ou melhor, fui
convertido, já que creio na predestinação, e nela, eu não me converto a mim
mesmo, mas sou convertido, convencido e atingido pela Graça do Espírito Santo,
uma força irresistível que vem de fora, que me arrebata inexoravelmente, não
deixando outra escolha que não seja conformar-me a Ele em Sua decisão e
Vontade; Voltando ao relato, fui convertido em uma Igreja Batista tradicional
e, desde cedo, aprendi sobre o Livre Arbítrio, doutrina que em nossos dias
domina o ensino de nossa denominação, ainda que saibamos que: “não foi
assim desde o princípio... mas por causa da dureza dos vossos corações...” Como
todo moderno jovem batista, eu amava essa ideia de liberdade de escolha e
odiava a predestinação, dizia que ela era a doutrina dos preguiçosos, dos que
não queriam evangelizar, afinal Deus faria tudo; os tolos que achavam que nunca
perderiam a salvação e não evangelizavam e nem buscavam a santificação, somente
esse tipo de pessoa, a meu ver, poderia crer na doutrina da Eleição!!!
Bom, como eu tinha dito, acho
que a experiência pessoal de “conversão” influencia muito na doutrina que
passamos a crer, ou na forma como vemos e interpretamos as Escrituras (conversões
genuínas ou não... a doutrina reflete a realidade e a extensão da
conversão), vou explicar:
Minha forma pessoal de
interpretar a doutrina da Eleição (Predestinação) e a razão da minha mudança de
pensamento, abandonando a ideia do arbítrio livre ou livre arbítrio, como
queira, começou assim:
Eu, ainda jovem, me afastei do
Senhor e, após dez anos, Ele me chamou de volta, tinha 30 anos na época, mas
hoje, quando paro para refletir acerca do meu afastamento e a forma como Ele me
chamou de volta, tenho a nítida impressão de que tudo fez parte de uma escola
celestial, me parece mesmo que Deus sempre esteve no controle, desde o meu
nascimento, infância e a forma como a minha vida acabou influenciando a conversão
dos meus familiares, nada parece ter sido acidental.
Tenho a mais nítida impressão
que Ele me chamou desde a eternidade (Ef.1:2a5) e que o
tempo da minha desobediência foi um tempo terrível de consequências amargas
e de ensino enérgico. Eu não consigo imaginar que eu O
tenha escolhido, eu acho mesmo que Ele me escolheu e planejou tudo para que um
dia eu reconhecesse a Soberania e Glória dEle, me rendesse a Seus
pés e O amasse por tudo o que Ele tem realizado.
Uma perfeita conformidade com a
vontade de Deus é a única liberdade soberana e completa. J. H.
Merle D'Aubigné
A
experiência pessoal fez com que eu não conseguisse mais acreditar no livre
arbítrio, porque percebi que o meu afastamento dos Caminhos do Senhor ocorreu,
na verdade, porque eu ainda não O conhecia, não era realmente convertido, mas
apenas convencido. Não tinha ouvido a “Verdadeira Chamada do Espírito” para a
fé e o arrependimento que geram a nova vida; apesar de ter
passado minha adolescência na Igreja e ter sido um crente muito ativo, ter
“trabalhado para o Senhor”, ter levado muitas pessoas para a Igreja, eu não
conhecia O Senhor, não era convertido.... era, sim, um adolescente esforçado e,
na força da carne buscava santidade, vida reta e novos membros para a Igreja
crescer, afinal era meu time, a bandeira que carregava e precisava sobrepujar a
concorrência religiosa.
"A carne não faz filhos de Deus e herdeiros da promessa, somente a eleição da graça soberana de Deus pode fazê-lo". Lutero
Quando
o Senhor, realmente me chamou à conversão e ao arrependimento, já com 30 anos
de idade, eu tinha uma vida estável, uma boa condição financeira, excelente
saúde, muitos amigos, muita diversão, uma vida boa, sossegada e tranquila e
tudo o que eu menos queria era voltar a ser um crente e perder meus
“brinquedinhos mundanos”. De repente, o Senhor usa uma missionária para me
emprestar um livro... Começa a usar um grande número de circunstâncias, vai me
apertando, espremendo, enclausurando e arrasando meu coração. Um dia, lendo
em meu quarto, o Espírito Santo veio sobre mim e começou a me
ensinar e conduzir à experiência de arrependimento genuíno, eu havia sido
crente por toda minha juventude, mas jamais imaginei o que fosse o verdadeiro
arrependimento! (Se você quiser saber mais sobre isso, leia quebrantamento do
Richard Baxter, ele descreve o verdadeiro arrependimento com muita
propriedade), eu descobri, então, que nunca havia sido convertido, apesar de
meus anos de adolescência e juventude como crente nominal e atuante na Igreja.
Assim
que tive essa experiência de início de conversão real, meus amigos do mundo e
companheiros de festas e diversões passaram a achar que eu havia ficado meio
estranho, meio maluco, falando coisas esquisitas. Pensaram que, talvez eu
estivesse com depressão ou algo do gênero, mas eu estava aprendendo sobre
conversão e arrependimento e o real sentido do novo nascimento que tem início
na morte do EU. Entrei, então, em um processo que já duram 10 anos e ainda
sinto estar longe de se completar. O “renunciar a si mesmo” é algo terrível
para mim, e sinto que tenho que trabalhar muito nessa direção.
Eu
creio na predestinação, porque sinto que ainda não estou completamente
transformado e convertido, apesar de já estar salvo, sinto que Deus está
fazendo a obra, e sinto que não há forças e nem algo de bom em
mim que possa ajudar nesse processo, sinto que somente Ele, pela ação do Espírito
Santo e da Palavra poderão me transformar em nova criatura, sinto, também, que
Ele é responsável por isso, mas de alguma forma, e eu não
compreendo como, eu também tenho responsabilidade, eu
não sou um robô, sinto que Ele me deixa participar e concordar com Ele, mas que
a obra é dEle e toda a Glória também é dEle. Eu era
escravo do pecado, eu não era livre... meu
arbítrio era escravo, não era um arbítrio livre, minhas
decisões eram influenciadas pela escravidão do pecado, eu sempre escolhia o que
o pecado mandava escolher..... não era livre!!! Mas
Deus me elegeu para a salvação, me chamou para a “liberdade que há em Cristo”,
então o Espírito Santo me fez “escolher” a Ele e ser liberto por Ele.
De
alguma forma, eu tinha a sensação de tê-Lo escolhido, mas eu sei que eu só o
escolhi porque Ele me escolheu primeiro!!!! Porque Ele me escolheu
e chamou, eu sou levado a escolhê-Lo. Não me pergunte como isso funciona!!! De
alguma forma eu participo e sou responsável, mas em tudo Ele é o Senhor, e eu O
escolho, mas não de forma “livre” e sim da forma concedida e
condicionada pelo Espírito Santo! Assim, não é arbítrio ou escolha
livre e sim arbítrio condicionado e predestinado!! Vai
entender!!! Eu não entendo, mas em meu coração sinto ser assim, pelo
menos em minha vida é!!!
Daí
você me diria: “Então você deveria procurar uma Igreja Presbiteriana e
abandonar seus amados irmãos Batistas!!” Eu respondo: Jamais!! E explico a
razão:
Assim
como você, eu sempre pensei que os Batistas fossem arminianos (livre arbítrio) desde
o princípio. Você nem imagina o susto que eu tomei quando descobri que os
Batistas sempre foram Calvinistas no princípio de sua história! Eu descobri
isso quando peguei, no site da editora Fiel, o livreto que tem a Confissão de
Fé Batista de 1689, uma descoberta maravilhosa para mim.
Os
Batistas, em sua grande maioria, permaneceram crendo na predestinação até o
final de 1800, século XIX, essa situação passou a se inverter a partir de 1910
com o advento do pentecostalismo e do liberalismo teológico nos seminários
Batistas. Foi então que começou a haver uma inversão no ranking e, de 1950 para
cá, os arminianos Batistas, crentes no livre arbítrio, se tornaram maioria em
nossa denominação. Mas, ainda hoje, temos muitos que crêem na Soberania de Deus
e no Seu controle da Salvação; também no governo do Espírito Santo sobre a
Graça.
Acerca
do versículo que você citou em sua tese: “...aquele que vem a mim, de
maneira nenhuma o lançarei fora...” Leitura arminiana acerca
da salvação, privilegiando a todos os que “a desejam e buscam” livremente;
afirmam, então, que o Senhor Jesus não lançará fora aqueles que, por livre vontade,
decidirem ir a Ele...
Hoje,
da forma como vejo o evangelho de João, eu leria esse versículo da seguinte
maneira: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim; e o que vem a
mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (João5:37).... Eu
creio que a salvação é para todos os que a buscam... sem dúvida... a única
diferença é que também creio que, só irá buscar, aquele que
o Pai escolhe e dá ao Filho, ou seja, os predestinados irão
buscar “....e todo aquele que busca, encontra” ... não
sei se você consegue perceber a diferença de leitura entre o Calvinismo e o
Arminianismo... no meu entender, a leitura Calvinista vê o versículo de forma
mais completa e abrangente, com o todo da Escritura, e na
minha experiência pessoal ele se torna mais real e
prático. Penso mesmo que isso seja algo pessoal. Eu enxergo dessa forma
por causa da minha experiência de conversão e como não me considero, nem de
longe, um modelo de crente, então não espero que outros pensem exatamente como
eu, desejo apenas explicar a razão de minha convicção acerca deste tema.
João 3:3a8
- Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que
não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como
pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre
de sua mãe, e nascer? Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que
aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.
O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não
te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento assopra
onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai;
assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
Sei que
você me dirá: “Está vendo, quem quiser ver o Reino, precisa
nascer de novo e basta querer, tomar a decisão, fazer a oração do penitente...”
Eu confesso que gostaria muito de acreditar nessa forma simplista de “Novo
Nascimento”, mas não consigo. Sei que tudo começa com o crer, pois o Senhor
disse que: “Se creres, verás a Glória de Deus”. Tudo parece se iniciar
neste crer; crer no Homem-Deus, crer no Senhor Jesus e confessar o Seu senhorio
sobre nós, depois disso, a Água e o Espírito realizarão a obra do novo
nascimento e, nisto, creio que pensamos da mesma forma. A única diferença de
nossas doutrinas está no “vento”, pois “Ele
assopra onde quer, e ouves a Sua voz, mas não sabes de onde vem, e nem para
onde vai; assim é todo aquele que á nascido do Espírito”.
Aquele que é nascido do Espírito, jamais poderá ser aquele que escolheu e
decidiu nascer, não, de forma alguma, ele é nascido, ele foi gerado por um
Vento impetuoso que ele não sabe de onde veio e nem para onde vai, um Vento
Soberano, um Vento que assopra onde quer, um Vento que jamais estará sobre o
controle, ou sob a vontade do homem.
João 1:11e12 – “Veio para o que era
seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o
poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome”; Sei que
você acredita ser este um argumento irrefutável acerca da capacidade de escolha
livre e soberana do homem, afinal, aqueles que “o
receberam”, nasceram de novo, foram feitos filhos de Deus por terem
decidido aceitar Jesus, o messias! Confesso que, por anos, também pensei assim.
Acreditava que era digno de honra e de um grande prêmio o homem que decidiu
receber, pois pensava que havia grande mérito pessoal nisto, uma decisão sábia,
digna de um homem louvável e merecedor de honrarias.
Quando orava acerca deste
texto, aquela voz mansa e suave que sussurra nos ouvidos dos nossos corações,
como um cicio maravilhoso e tranquilo dizendo: “Atentai às
milhas Palavras, filho meu”:
João 1:13 – “Os quais não nasceram
do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas de Deus”.
Jamais houve e nem jamais
haverá um Novo Nascimento processado pela vontade do homem, não
pode haver, a vontade do homem foi corrompida pelo pecado, “pois todos
pecaram e destituídos estão da Glória de Deus” (Rm.3:23). Estão
destituídos da Glória de Deus, da bondade de Deus, da Santidade de Deus e da
incorruptibilidade de Deus, possuem sua vontade escravizada pelo pecado, não
podem decidir pelo bem, “não há um bom, nenhum sequer, ninguém que
entenda, ninguém que busque a Deus” (Rm.3:10a12).
Enfim, Deus escolhe o homem,
Deus busca o homem, Deus salva o homem escolhido, o Espírito Santo assopra onde
quer, toda glória, toda honra, todo louvor, todo o mérito, toda a exaltação
seja dada a Ele, somente a Ele, agora e para sempre, Amém!!
Que Deus muito a abençoe!