terça-feira, 19 de março de 2013

O Apóstolo João e o Livre Arbítrio 

Por Irmão Acyr

"A carne é tão esperta, que ela se finge de santa só para não ter que morrer".


Carta do “Presbítero à senhora eleita, e a seus filhos, aos quais amo na verdade”(IIJoão1).

Irmã, pensando em sua ideia acerca da possibilidade de descobrirmos no céu que, nem a doutrina da Eleição ou nem a do Livre Arbítrio são perfeitamente corretas, mas que, talvez, haja algo muito maior e mais complexo que nem possamos definir, quero dizer que gosto da sua ideia e penso que nada há de errado em sua forma de encarar este ensino. Desejo lhe contar a maneira como foi construída minha crença acerca deste tema. Contarei, então, meu testemunho pessoal, para que você possa compreender:

Eu me converti, ou melhor, fui convertido, já que creio na predestinação, e nela, eu não me converto a mim mesmo, mas sou convertido, convencido e atingido pela Graça do Espírito Santo, uma força irresistível que vem de fora, que me arrebata inexoravelmente, não deixando outra escolha que não seja conformar-me a Ele em Sua decisão e Vontade; Voltando ao relato, fui convertido em uma Igreja Batista tradicional e, desde cedo, aprendi sobre o Livre Arbítrio, doutrina que em nossos dias domina o ensino de nossa denominação, ainda que saibamos que: “não foi assim desde o princípio... mas por causa da dureza dos vossos corações...” Como todo moderno jovem batista, eu amava essa ideia de liberdade de escolha e odiava a predestinação, dizia que ela era a doutrina dos preguiçosos, dos que não queriam evangelizar, afinal Deus faria tudo; os tolos que achavam que nunca perderiam a salvação e não evangelizavam e nem buscavam a santificação, somente esse tipo de pessoa, a meu ver, poderia crer na doutrina da Eleição!!!

Bom, como eu tinha dito, acho que a experiência pessoal de “conversão” influencia muito na doutrina que passamos a crer, ou na forma como vemos e interpretamos as Escrituras (conversões genuínas ou não... a doutrina reflete a realidade e a extensão da conversão), vou  explicar:
Minha forma pessoal de interpretar a doutrina da Eleição (Predestinação) e a razão da minha mudança de pensamento, abandonando a ideia do arbítrio livre ou livre arbítrio, como queira, começou assim:
Eu, ainda jovem, me afastei do Senhor e, após dez anos, Ele me chamou de volta, tinha 30 anos na época, mas hoje, quando paro para refletir acerca do meu afastamento e a forma como Ele me chamou de volta, tenho a nítida impressão de que tudo fez parte de uma escola celestial, me parece mesmo que Deus sempre esteve no controle, desde o meu nascimento, infância e a forma como a minha vida acabou influenciando a conversão dos meus familiares, nada parece ter sido acidental.

Tenho a mais nítida impressão que Ele me chamou desde a eternidade (Ef.1:2a5)  e  que  o tempo da minha desobediência foi um tempo terrível de consequências amargas e de ensino enérgico. Eu não consigo imaginar que eu O tenha escolhido, eu acho mesmo que Ele me escolheu e planejou tudo para que um dia  eu reconhecesse a Soberania e Glória dEle, me rendesse a Seus pés e O amasse por tudo o que Ele tem realizado.

Uma perfeita conformidade com a vontade de Deus é a única liberdade soberana e completa. J. H. Merle D'Aubigné

A experiência pessoal fez com que eu não conseguisse mais acreditar no livre arbítrio, porque percebi que o meu afastamento dos Caminhos do Senhor ocorreu, na verdade, porque eu ainda não O conhecia, não era realmente convertido, mas apenas convencido. Não tinha ouvido a “Verdadeira Chamada do Espírito” para a fé e o arrependimento que geram a nova vida; apesar de ter passado minha adolescência na Igreja e ter sido um crente muito ativo, ter “trabalhado para o Senhor”, ter levado muitas pessoas para a Igreja, eu não conhecia O Senhor, não era convertido.... era, sim, um adolescente esforçado e, na força da carne buscava santidade, vida reta e novos membros para a Igreja crescer, afinal era meu time, a bandeira que carregava e precisava sobrepujar a concorrência religiosa.

"A carne não faz filhos de Deus e herdeiros da promessa, somente a eleição da graça soberana de Deus pode fazê-lo".  Lutero

Quando o Senhor, realmente me chamou à conversão e ao arrependimento, já com 30 anos de idade, eu tinha uma vida estável, uma boa condição financeira, excelente saúde, muitos amigos, muita diversão, uma vida boa, sossegada e tranquila e tudo o que eu menos queria era voltar a ser um crente e perder meus “brinquedinhos mundanos”. De repente, o Senhor usa uma missionária para me emprestar um livro... Começa a usar um grande número de circunstâncias, vai me apertando, espremendo, enclausurando e arrasando meu coração. Um dia, lendo em  meu quarto, o Espírito Santo veio sobre mim e começou a me ensinar e conduzir à experiência de arrependimento genuíno, eu havia sido crente por toda minha juventude, mas jamais imaginei o que fosse o verdadeiro arrependimento! (Se você quiser saber mais sobre isso, leia quebrantamento do Richard Baxter, ele descreve o verdadeiro arrependimento com muita propriedade), eu descobri, então, que nunca havia sido convertido, apesar de meus anos de adolescência e juventude como crente nominal e atuante na Igreja.

Assim que tive essa experiência de início de conversão real, meus amigos do mundo e companheiros de festas e diversões passaram a achar que eu havia ficado meio estranho, meio maluco, falando coisas esquisitas. Pensaram que, talvez eu estivesse com depressão ou algo do gênero, mas eu estava aprendendo sobre conversão e arrependimento e o real sentido do novo nascimento que tem início na morte do EU. Entrei, então, em um processo que já duram 10 anos e ainda sinto estar longe de se completar. O “renunciar a si mesmo” é algo terrível para mim, e sinto que tenho que trabalhar muito nessa direção.

Eu creio na predestinação, porque sinto que ainda não estou completamente transformado e convertido, apesar de já estar salvo, sinto que Deus está fazendo a obra, e sinto que não há forças e nem algo de bom em mim que possa ajudar nesse processo, sinto que somente Ele, pela ação do Espírito Santo e da Palavra poderão me transformar em nova criatura, sinto, também, que Ele é responsável por isso, mas de alguma forma, e eu não compreendo como, eu também tenho responsabilidade, eu não sou um robô, sinto que Ele me deixa participar e concordar com Ele, mas que a obra é dEle e toda a Glória também é dEle.  Eu era escravo do pecado, eu não era livre... meu arbítrio  era  escravo, não era um arbítrio livre, minhas decisões eram influenciadas pela escravidão do pecado, eu sempre escolhia o que o pecado mandava escolher..... não era livre!!!  Mas Deus me elegeu para a salvação, me chamou para a “liberdade que há em Cristo”, então o Espírito Santo me fez “escolher” a Ele e ser liberto por Ele.

De alguma forma, eu tinha a sensação de tê-Lo escolhido, mas eu sei que eu só o escolhi porque Ele me escolheu primeiro!!!! Porque Ele me escolheu e chamou, eu sou levado a escolhê-Lo. Não me pergunte como isso funciona!!! De alguma forma eu participo e sou responsável, mas em tudo Ele é o Senhor, e eu O escolho, mas não de forma “livre” e sim da forma concedida e condicionada pelo Espírito Santo!  Assim, não é arbítrio ou escolha livre e sim arbítrio condicionado e predestinado!!  Vai entender!!!  Eu não entendo, mas em meu coração sinto ser assim, pelo menos em minha vida é!!!

Daí você me diria: “Então você deveria procurar uma Igreja Presbiteriana e abandonar seus amados irmãos Batistas!!” Eu respondo: Jamais!! E explico a razão:
Assim como você, eu sempre pensei que os Batistas fossem arminianos (livre arbítrio) desde o princípio. Você nem imagina o susto que eu tomei quando descobri que os Batistas sempre foram Calvinistas no princípio de sua história! Eu descobri isso quando peguei, no site da editora Fiel, o livreto que tem a Confissão de Fé Batista de 1689, uma descoberta maravilhosa para mim.

Os Batistas, em sua grande maioria, permaneceram crendo na predestinação até o final de 1800, século XIX, essa situação passou a se inverter a partir de 1910 com o advento do pentecostalismo e do liberalismo teológico nos seminários Batistas. Foi então que começou a haver uma inversão no ranking e, de 1950 para cá, os arminianos Batistas, crentes no livre arbítrio, se tornaram maioria em nossa denominação. Mas, ainda hoje, temos muitos que crêem na Soberania de Deus e no Seu controle da Salvação; também no governo do Espírito Santo sobre a Graça.

Acerca do versículo que você citou em sua tese: “...aquele que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora...” Leitura arminiana acerca da salvação, privilegiando a todos os que “a desejam e buscam” livremente; afirmam, então, que o Senhor Jesus não lançará fora aqueles que, por livre vontade, decidirem ir a Ele...

Hoje, da forma como vejo o evangelho de João, eu leria esse versículo da seguinte maneira: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (João5:37).... Eu creio que a salvação é para todos os que a buscam... sem dúvida... a única diferença é que também creio que, só irá buscaraquele que o Pai escolhe e dá ao Filho, ou seja, os predestinados irão buscar  “....e todo aquele que busca, encontra” ... não sei se você consegue perceber a diferença de leitura entre o Calvinismo e o Arminianismo... no meu entender, a leitura Calvinista vê o versículo de forma mais completa e abrangente, com o todo da Escritura, e na minha experiência pessoal ele se torna mais real e prático. Penso mesmo que isso seja algo pessoal. Eu enxergo dessa forma por causa da minha experiência de conversão e como não me considero, nem de longe, um modelo de crente, então não espero que outros pensem exatamente como eu, desejo apenas explicar a razão de minha convicção acerca deste tema.

João 3:3a8 - Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer? Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.

Sei que você me dirá: “Está vendo, quem quiser ver o Reino, precisa nascer de novo e basta querer, tomar a decisão, fazer a oração do penitente...” Eu confesso que gostaria muito de acreditar nessa forma simplista de “Novo Nascimento”, mas não consigo. Sei que tudo começa com o crer, pois o Senhor disse que: “Se creres, verás a Glória de Deus”. Tudo parece se iniciar neste crer; crer no Homem-Deus, crer no Senhor Jesus e confessar o Seu senhorio sobre nós, depois disso, a Água e o Espírito realizarão a obra do novo nascimento e, nisto, creio que pensamos da mesma forma. A única diferença de nossas doutrinas está no “vento”, pois “Ele assopra onde quer, e ouves a Sua voz, mas não sabes de onde vem, e nem para onde vai; assim é todo aquele que á nascido do Espírito”. Aquele que é nascido do Espírito, jamais poderá ser aquele que escolheu e decidiu nascer, não, de forma alguma, ele é nascido, ele foi gerado por um Vento impetuoso que ele não sabe de onde veio e nem para onde vai, um Vento Soberano, um Vento que assopra onde quer, um Vento que jamais estará sobre o controle, ou sob a vontade do homem.

João 1:11e12 – “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome”; Sei que você acredita ser este um argumento irrefutável acerca da capacidade de escolha livre e soberana do homem, afinal, aqueles que “o receberam”, nasceram de novo, foram feitos filhos de Deus por terem decidido aceitar Jesus, o messias! Confesso que, por anos, também pensei assim. Acreditava que era digno de honra e de um grande prêmio o homem que decidiu receber, pois pensava que havia grande mérito pessoal nisto, uma decisão sábia, digna de um homem louvável e merecedor de honrarias.

Quando orava acerca deste texto, aquela voz mansa e suave que sussurra nos ouvidos dos nossos corações, como um cicio maravilhoso e tranquilo dizendo: “Atentai às milhas Palavras, filho meu”:
João 1:13 – “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

Jamais houve e nem jamais haverá um Novo Nascimento processado pela vontade do homem, não pode haver, a vontade do homem foi corrompida pelo pecado, “pois todos pecaram e destituídos estão da Glória de Deus” (Rm.3:23). Estão destituídos da Glória de Deus, da bondade de Deus, da Santidade de Deus e da incorruptibilidade de Deus, possuem sua vontade escravizada pelo pecado, não podem decidir pelo bem, “não há um bom, nenhum sequer, ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus” (Rm.3:10a12).

Enfim, Deus escolhe o homem, Deus busca o homem, Deus salva o homem escolhido, o Espírito Santo assopra onde quer, toda glória, toda honra, todo louvor, todo o mérito, toda a exaltação seja dada a Ele, somente a Ele, agora e para sempre, Amém!!
Que Deus muito a abençoe!

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