E Obrigaram Simão a Carregar a Cruz
Por Irmão Acyr
"...a mensagem cristã se distorce na direção da moda em voga, para que se torne aceitável, agradável e convincente ao público".
Conforme
vemos em Mc.15:21-E constrangeram (obrigaram) um certo Simão, cireneu, pai de Alexandre e de Rufo, que por ali
passava, vindo do campo, a que levasse a cruz.
Vemos algo bem curioso neste texto, este Simão,
homem até então comum e ímpio (não crente), passava desapercebido pelo mesmo
caminho onde Jesus carregava a pesada cruz, na qual seria crucificado pelo
preço de nossas vidas diante do Pai. Todos os discípulos que o seguiam já
haviam fugido, inclusive Pedro, o mais destemido e aparentemente, o mais
corajoso e impetuoso, mas que tremeu grandemente diante da terrível Cruz.
Então, os soldados romanos obrigaram um estranho,
uma pessoa que nada tinha a ver com tudo aquilo, para que tomasse lugar ao lado
do Senhor Jesus e o ajudasse com o vitupério e a vergonha de carregar a
arma pela qual seria morto. Arma esta que, era sempre utilizada para
matar os piores malfeitores do império.
Seria
injusto se não mencionássemos João, que de longe ainda seguia o mestre no
caminho do Gólgota, ele foi o único discípulo que após uma fuga temporária
voltou para estar com o Senhor Jesus, por isso mesmo, o Senhor, após a
ressurreição, promete a ele uma morte sem martírio, uma morte calma e em boa
velhice (João 21:19a22). Quero, também, lembrar que todos os outros que, a
princípio, tentaram evitar a cruz, morreram martirizados para glorificar a Deus
e se tornarem aquela boa semente que depois de morrer pode
gerar muito fruto. (João12:24e24).
A
Bíblia não fala muito de Simão, após este evento, o que podemos saber é que
este homem teve uma experiência tremenda neste dia, sua vida mudou
completamente e para todo o sempre. Ele se tornou um eminente discípulo do
Homem que ajudou a morrer, do mesmo Homem para quem carregou a arma e conheceu
junto à cruz; ele converteu-se, ou melhor, ele foi convertido. E seus filhos
serviram fielmente ao Senhor Jesus, Rufo até foi elogiado pelo apóstolo Paulo
que declarou ser ele um eleito
do Senhor em Romanos 16:13.
Considerando
a forma como o evangelho chegou na família de Simão, creio que ninguém poderia
negar que ocorreu uma eleição e uma escolha muito específica, ele não foi
convidado a carregar a cruz, ele foi obrigado, foi constrangido e,
por fim, foi um eleito de Deus junto com seus filhos.
Conversando
com uma irmã em Cristo ela disse algo que me fez pensar acerca da doutrina da
eleição de Deus ou mesmo da predestinação em contraste com o livre arbítrio do
homem em relação à salvação. Essa irmã disse assim: “Creio que acreditar na
predestinação ou no livre arbítrio é algo irrelevante e que nada pode
acrescentar na vida de um cristão, a única interferência prática está ligada na
forma de se pregar o evangelho”.
Pensando
nessa frase, fiquei imaginando como seria a forma de pregar de alguém que crê
na predestinação e como pregaria alguém que crê no livre arbítrio. Olhando para
a história da Igreja, para os pais apostólicos e homens como Santo Agostinho,
Calvino, Lutero, Jonathan Edwards, Charlles Spurgeon, Jonh Knox e muitos outros
que criam na predeterminação e soberania de Deus em relação à salvação, eu
concluí que a mensagem deles e a forma como eles cultuavam e glorificavam a
Deus, possuía um toque de profunda reverência e temor que nos
constrange e nos fala ainda hoje, mesmo depois de tantos anos passados.
Nisso
também constatei que, para mim, a mensagem da predeterminação e soberania de
Deus é algo muito real e completamente aplicável nos púlpitos modernos,
tanto quanto foi no passado e, a partir desse ponto, comecei a avaliar o ensino
do livre arbítrio ou da soberania do homem, podendo escolher entre
tornar-se ou não um filho de Deus.
Bom,
na verdade, eu jamais vi alguém escolher um pai ou mesmo dizer, eu quero ser
filho daquela pessoa, ou daquela outra! Parece-me que quando somos concebidos
fica determinado para sempre quem é nosso pai biológico e nossos genes
comprovam isso, basta que se façam os exames. E quanto à nossa filiação
espiritual, será que podemos escolher de quem seremos filhos, podemos exercer o
livre arbítrio nesse assunto?
Creio
que para muitos cristãos modernos a resposta seria sim, eu posso escolher entre
ser filho de Deus ou filho do diabo (João8:44) - Jesus disse aos fariseus: Vós sois filhos do diabo e quereis sempre
satisfazer a vontade do vosso pai.
Aqui o Senhor Jesus classifica os religiosos fariseus como filhos do diabo,
pessoas que não se convertiam, pessoas que não compreendiam e nem jamais
compreenderiam a obra redentora de Jesus para poderem tornar-se filhos de Deus
(João1:12). Alguém poderia argumentar que algum fariseu poderia contestar o
Senhor Jesus e dizer: ''Só para provar que você está enganado Jesus, eu vou me
converter e tornar um filho de Deus também!'' Se isso acontecesse, realmente o
Senhor Jesus poderia ter se enganado acerca da filiação daqueles religiosos,
mas a história comprova que o Senhor Jesus acertou TUDO. Tudo o que Ele disse
se cumpriu ou está se cumprindo. Aqueles fariseus não tiveram chance de mudar
de opinião e se converter porque o Senhor Jesus disse aos discípulos: Porque a vós é concedido conhecer os mistérios do reino dos céus, mas
a eles não lhes é dado (Mateus13:11).
A
mensagem acerca dessa nossa dependência tão completa de Deus que até para desejar ser
salvo, dependemos dEle para nos convencer, é algo, verdadeiramente, muito
ofensivo para o nosso ego. Faz com que sejamos como crianças
completamente incapazes e dependentes de nosso Pai, ficamos tão humilhados e
desqualificados, tão sem respeito próprio; é como se eu tivesse que reconhecer
que sou um miserável viciado e que sem ajuda não posso me libertar e nem mesmo
desejar ser liberto dos vícios hediondos e escravizadores.
A
natureza do homem se revolta diante de tamanha afronta, então, em uma resposta
direta, dizemos: ''Eu tenho muita maldade na minha carne, mas há, ainda, uma
parte boa, santa e justa que me ajuda a exercer o livre arbítrio em favor de
Cristo. Eu posso desejar ser salvo e com um empurrão do
Espírito Santo eu me converto. Eu posso ajudar o Senhor porque
Ele encontrou algo de bom na minha alma e potencializou essa boa natureza que
fez uso do livre arbítrio para concordar com Deus e me salvar.''
A
partir desse conceito do livre arbítrio, surgiram novas e criativas diretrizes
para a moderna igreja. Muitos se levantaram para defender o direito do homem e
a glória da humanidade que não pode mais admitir uma salvação tão humilhante
como aquela defendida pela predestinação, onde somente Deus escolhe, humilha,
convence e salva. Deus leva, então, todo o crédito, manipula, estipula e ajusta
todas as coisas; Como crianças incapazes de qualquer reação, somos impelidos
para o refúgio dos braços dEle que nos disciplina e açoita quando demonstramos
qualquer rebeldia ou falta de confiança em seu plano soberano. Se admitirmos
isso, teremos que ser como Jonas que Ele colocou sobre a pressão das corrosivas
substâncias digestivas do ventre do grande peixe até que Jonas fosse obrigado a
arrepender-se. Depois, ainda levou ele a pregar um sermão curtíssimo de poucos
segundos que não poderia, humanamente falando, convencer ninguém com argumentos
tão pueris.
Para
completar, leva a cidade inteira à conversão com essa mensagem simples de
arrependimento. O que também parece uma discrepância à nossa liberdade de escolha,
já que nenhum ninivita daria crédito a um judeu pregador... Nenhum sociólogo
admitiria que os ninivitas poderiam converter-se com uma mensagem pregada dessa
forma; Culturas tão diferentes, sem utilizar as técnicas de adaptação transcultural.
Não podemos mais usar estes métodos retrógados em nossos dias; hoje precisamos
estudar a cultura, adaptar a mensagem e bajular o livre arbítrio do povo a ser
alcançado, não basta uma mensagem de arrependimento e renúncia.
Enfim, a cidade toda se converteu, tendo sido a conversão em massa mais
espetacular em toda a história da humanidade, mas isso foi com Jonas, não tem a
ver com a Igreja moderna, dizem eles, agora os argumentos para convencer são
outros, bem mais criativos e humanos, a ideia é agregar, nunca
renunciar!
Esses
defensores do livre arbítrio, também afirmam que na queda de Paulo no caminho
de Damasco, acompanhado de sua cegueira e oração de Ananias, houve um momento
em que ele mesmo, Saulo, teria escolhido tornar-se Paulo, e que não poderia
isso, ter sido uma escolha exclusiva, soberana e determinante de Deus que disse
a Ananias: Vá, ajude a Paulo, porque eu
lhe mostrarei ainda o quanto convém que ele sofra por causa do meu nome e do
evangelho (Atos 9:15e16). O homem nem
havia se convertido ainda e Deus já falava do quanto ele sofreria pelo Senhor.
Certamente, Deus não seria um tirano de agir assim, foi Paulo que escolheu...dizem
os defensores do livre arbítrio.
Nessa
grande empreitada em defesa do direito e da participação do homem na obra de
redenção e salvação individual, os defensores desta ideia trouxeram a tona os
modernos, inovadores e extravagantes meios de evangelismo e marketing
evangélico. Baseado na empolgante faculdade de decisão e escolha que o homem
tem, no que tange à sua salvação, os evangelistas adeptos desta ideia concluem
que precisam ajudar o homem em sua decisão por Cristo! Dessa forma, a propagada
e a técnica, necessitam de grande precisão e bons argumentos. Precisamos atrair
e convencer o homem, dizer que o evangelho fará dele uma pessoa melhor, mais
completa, mais realizada, mais aceita. No evangelho você poderá fazer tudo o
que fazia antes, mas agora em um padrão mais elevado, com uma moralidade muito
mais aceitável, podendo influenciar a política e a economia, tornando o mundo
um lugar melhor e até tomando a cidade para Cristo.
Veja que estamos lidando com homens que estão
em busca do seu melhor EU, em busca de expor o que têm de melhor em SI mesmos,
pessoas que exigem bons estímulos e bons argumentos. Assim, para estes oferecemos a nova cruz,
o novo estilo de ser um crente que exerceu e exercerá seu livre arbítrio e seus
maravilhosos potenciais a favor de Cristo. Como disse Tozer: “A nova cruz não
destrói o pecador; redireciona-o. Aparelha-o para um modo de viver mais limpo e
mais belo e poupa seu respeito próprio. Àquele que é assertivo, ela diz: Venha
e afirme-se por Cristo. Ao egoísta, declara: Venha, exalte-se no Senhor. Ao que
procura emoção viva, afirma: Venha e goze a vibrante emoção do companheirismo
cristão”. O bom
argumento é que a mensagem cristã se distorce na direção da moda em voga, para
que se torne aceitável, agradável e convincente ao
público.
Todo
o culto cristão ganha, então, nova roupagem humanista; precisamos estudar e
assimilar a cultura do povo que vamos evangelizar, precisamos vestir o
cristianismo com a roupagem da época e do povo que queremos alcançar. Essa
é a armadilha: Eles se tornarão cristãos e nem se darão conta disso, tamanha a
eficácia da técnica. O boxeador estará boxeando para Jesus, a dançarina,
dançando para Jesus, os ritmos afros, os batuques e os berimbaus, também
estarão à serviço de Jesus, enfim, toda a cultura e realizações humanas podem
estar a serviço de Cristo e andando de mãos dadas com a Igreja.
Com
este argumento ajustamos o culto cristão para o bem estar e para a alegria dos
clientes que, sem dúvida, nos escolhem por termos o melhor produto religioso.
Falaremos acerca das vitórias e conquistas sociais, dos milagres e curas que
confortam nossas vidas neste mundo. Sem esquecer dos anseios
familiares e de tudo que o povo quer e precisa ouvir para o engrandecimento
e realização da humanidade plena. Não temos dúvidas que este é o segredo do
sucesso e da mais plena contribuição do livre arbítrio na igreja moderna e
contemporizada com mundo.
Por
este prisma, os defensores da predestinação e da soberania de Deus perdem
completamente seu espaço, não dão lugar para a criatividade, espontaneidade e a
supremacia da natureza humana. Não ajustam os cultos às necessidades humanas,
pelo contrário, prioriza Deus, exalta Deus! Em tudo depende
humilhantemente de Deus, até mesmo para a mais simples e banal decisão,
consultam ao Senhor. Os cultos não falam aos homens, têm uma
preocupação abusivamente teocêntrica, desentroniza o homem por completo e
engrandece, exalta, enaltece somente a Deus, a ponto de confiar que até as
conversões e o crescimento da Igreja dependem dEle. Obviamente, aos
olhos humanos, a predestinação soberana de Deus é uma grande ofensa e, todas as
forças da humanidade clamam pelo livre arbítrio.
E
como disse a serpente a Eva: Certamente
não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que comerdes se abrirão os vossos
olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal (Gen. 3:4e5). Sereis como Deus, vocês saberão
fazer a escolha certa, vocês saberão o que é bom e o que é ruim, vocês terão,
sem dúvida, a tão sonhada liberdade de escolha, terão a independência de Deus,
serão livres e com muito livre arbítrio.
Concluo
que a irmã, estava parcialmente correta, e uma coisa que muda completamente no
que se refere à crença do livre arbítrio, é a forma de se pregar o evangelho.
Mas desejo acrescentar que, no meu ponto de vista, muda também, a maneira de se
viver e praticar o evangelho, de priorizar os métodos de Deus quanto ao
convencimento do pecador pelo Espírito e não pela propaganda. E
como disse Paulo aos contradizentes: Pode o vaso se voltar para o oleiro e
dizer :“Porque me fizeste assim?” (Rom. 9:20e21).